Uma forma amplamente utilizada e validada para investigar a percepção e o processamento auditivo é o estudo dos potenciais evocados (event-related potentials; ERPs). A apresentação de um estímulo auditivo desencadeia uma sequência de respostas neuronais que vão desde o tronco encefálico até o córtex cerebral e podem ser medidas e analisadas por meio de eletrodos colocados no couro cabeludo. Dessa forma, a integridade da via auditiva pode ser avaliada através do registro e análise dessas respostas cerebrais.
O potencial P300 é um dos potenciais auditivos cognitivos ou de latência longa mais estudados. Surge entre 300 e 600 milissegundos após a ocorrência de um estímulo. Uma maneira tradicional de obter a resposta P300 é através de tarefas Oddball, nas quais um estímulo raro (que o indivíduo deve detectar) é apresentado entre estímulos frequentes e idênticos. Ao contrário do mismatch negativity (MMN), que reflete a detecção do estímulo raro em um nível pré-atencional, o potencial P300 ocorre quando o indivíduo reconhece conscientemente uma mudança no estímulo auditivo (Picton & Hillyard, 1974). Assim, o componente P300 reflete a resposta de áreas relacionadas a funções cognitivas superiores, como atenção, percepção, discriminação e memória auditiva.
A latência do potencial P300 (em milissegundos) é geralmente interpretada como a velocidade de categorização de um estímulo ao discriminar esse evento em relação a outro(s) (Sur & Sihna, 2009). Latências mais curtas indicam maior capacidade ou desempenho mental, relacionado à velocidade de processamento da informação (Donchin et al., 1978). Por outro lado, latências mais longas indicam um déficit no processamento cognitivo. A amplitude da resposta P300 (em microvolts) está associada a fatores como duração e probabilidade do estímulo, relevância da tarefa e atenção do indivíduo (Hall, 2006).
Latências mais longas e amplitudes reduzidas no P300 foram descritas em crianças com dificuldades de leitura e escrita e dislexia (Lyytinen et al., 2005; Soares et al., 2011; Papagiannopoulou & Lagopoulus, 2016), transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (Schochat et al., 2002; Borja & Ponde, 2010), transtorno específico de linguagem (Shaheen et al., 2011) e em crianças e adultos com transtornos de processamento auditivo central (Jirsa & Clontz, 1990; Krishnamurti, 2001). Como sugerido por Schochat et al. (2002), a latência do P300 é considerada um melhor indicador de processamento cognitivo, pois, ao contrário de sua amplitude, não seria afetada pela atenção (Hall, 2006). Ambas as medidas podem indicar mudanças neurofisiológicas corticais e déficits no processamento auditivo tardio, afetando a capacidade de aprendizado da linguagem, conforme demonstrado nos estudos citados sobre dificuldades de leitura e transtorno específico de linguagem.
Por fim, estudos anteriores demonstraram que o potencial P300 é um indicador válido de melhorias na função do sistema auditivo como resultado de programas de intervenção fonológica (Alvarenga et al., 2013), treinamento auditivo (Alonso & Schochat, 2009) e treinamento musical (Fujioka et al., 2006), mostrando de forma consistente uma redução em sua latência.
Nas palavras de Fujioka et al. (2006): "Resultados recentes revelaram que experiências de aprendizado intenso levam a mudanças na função e na anatomia cerebrais. A prática repetitiva otimiza os circuitos neuronais, alterando o número de neurônios envolvidos, o tempo de sincronização e o número e a força das conexões sinápticas excitatórias e inibitórias."
Referências:
Alonso, R., & Schochat, E. (2009) A eficacia do treinamento auditivo formal em criancas com transtorno de processamento auditivo (central): avaliacao comportamental e eletrofisiologica. Braz J Otorhinolaryngol, 75(5):726-32.
Alvarenga, Kde, F., Araujo, E.S., Ferraz, E., & Crenitte, P.A. (2013). P300 auditory cognitive evoked potential as an indicator of therapeutical evolution in students with developmental dyslexia. Codas, 25(6), 500–505.
Borja, A., & Ponde, M. (2010) P300: avaliação do potencial evocado cognitivo em crianças com e sem TDAH. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, 8(2), 198-205.
Donchin, E., Ritter, W., & McCallum, W.C. (1978). Cognitive psychophysiology: The endogenous components of the ERP. In: E. Callaway, P. Tueting, & H. Koslow (Eds), Brain event-related potentials in man (pp. 349-441). New York: Academis Press.
Fujioka, T., Ross, B., Kakigi, R., Pantev, C., Trainor, C. (2006) One year of musical training affects development of Auditory Corticalevoked fields in young children. Brain; 129(10):2593-608.
Hall, J. W. (2006). New handbook of auditory evoked responses. Boston: Pearson Education Jirsa, R.E., & Clontz, K.B. (1990). Long Latency Auditory Event-Related Potentials from Children with Auditory Processing Disorders. Ear and Hearing, 11(3), 222–232.
Krishnamurti, S. (2001). P300 auditory event-related potentials in binaural and competing noise conditions in adults with central auditory processing disorders. Contemporary Issues in Communication Science and Disorders, 28(2), 40-47.
Lyytinen, H., Guttorm, T.K., Huttunen, T., Hämäläinen, J., Leppänen, P.H.T., & Vesterinen, M. (2005). Psychophysiology of developmental dyslexia: A review of findings including studies of children at risk for dyslexia. Journal of Neurolinguistics, 18(2), 167–195.
Papagiannopoulou, E.A., & Lagopoulos, J. (2016). P300 event-related potentials in children with dyslexia. Annals of Dyslexia, 67(1), 99–108.
Picton, T.W., & Hillyard, S.A. (1974). Human auditory evoked potentials. II: effects of attention. Electroenceph. clin. Neurophysiol., 36: 191-199.
Schochat, E., Scheuer, C.R., Andrade, E.R. (2002). ABR and auditory P300 findings in children with ADHD. Arq. Neuro-Psiquiatr; 60:742-47.
Shaheen, E.A., Shohdy, S.S., Al Raouf, M.A., El Abd, S.M., Elhamid, A.A. (2011). Relation between language, audio–vocal psycholinguistic abilities and P300 in children having specific language impairment. International journal of pediatric otorhinolaryngology. 75(9):1117-22.
Soares, A.J.C., Sanches, S.G.G., Neves-Lobo, I.F., Carvallo, R.M.M., Matas, C.G., Cárnio, M.S. (2011). Potenciais evocados auditivos de longa latência e processamento auditivo central em crianças com alterações de leitura e escrita: dados preliminares. Arq Int Otorrinolaringol;15(4):486-91.
Sur, S., & Sinha, V.K. (2009). Event-related potential: an overview.
Industrial Psychiatry Journal 18, 70–73. doi: 10.4103/0972-6748.57865.
Área Reservada
Se és profissional ou paciente, podes aceder à tua área reservada a partir daqui.